segunda-feira, 1 de dezembro de 2014




Da produção livre de Laura Helena Chaves Nunes Vieira que fez o Curso de Literatura de Autoria Feminina em seu formato online. Um belo conto que conta das dores da felicidade esgarçada.

“Dias cinzentos”, por Laura Helena Chaves Nunes Vieira.

       Érica acordou sobressaltada, esfregou os olhos e se arrastou para fora da cama. O marido já havia levantado e deixara as roupas espalhadas pelo quarto, em uma bagunça não habitual. Com o corpo dolorido e os olhos inchados, foi até o banheiro e entrou no chuveiro, deixando a água correr sobre seu corpo. Sentia-se entorpecida, como se tivesse bebido demais. Tudo parecia distante e irreal.
A cerimônia do dia anterior, com a sucessão das horas e dos rituais: as palavras ditas e repetidas na monotonia das cortesias, a que se obrigara a agradecer polidamente; os olhares e os comentários dissimulados, tão previsíveis como seus protagonistas, que ela educadamente fingia não perceber; a sensação – terrível e constante – de que toda a atenção se voltava para ela, na tentativa de apreender um gesto ou uma palavra que rompesse com o protocolo. Manteve seus músculos tão retesados que ainda sentia dor.
Durante todo o dia evitou o marido e ao deitar virou-lhes as costas, pois não queria ter que explicar o que não conseguia entender. Nem sabe se percebeu, mas não podia a ideia de ser olhada ou, pior, questionada por ele. Felizmente, estava ensimesmado e não a incomodou. Talvez jamais recuperassem a alegria, a cumplicidade e o desejo. Depois de uma vida juntos, foram pegos de surpresa; logo eles, tão confiantes, tão decididos, tão ingênuos, por acreditarem na felicidade que se esgarçou junto com todos os sonhos e projetos.
Saiu do banho e se enxugou sem sentir sua pele ou seu cheiro. Estremeceu e sentiu novamente a dor nos músculos. Vestiu-se mecanicamente, olhou pela janela; mal percebeu o dia cinzento, mas entendeu que agora eles seriam assim, sem cor. Seu olhar se perdeu no horizonte, enquanto os minutos se arrastavam. Deixou-se ficar, braços ao longo do corpo, costas curvada, inerte.
Queria sentir dor, raiva, qualquer coisa que a fizesse gritar, chorar, amaldiçoar ou lamentar. Qualquer coisa que diminuísse o vazio em que se tinha transformado. Só saiu do torpor quando o marido entrou no quarto e a abraçou. Após chorarem juntos, Érica e Armando, em silêncio, dirigiram-se ao quarto contíguo e tentaram encaixotar roupas, cadernos, fotos e a coleção de Barbies.







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