segunda-feira, 18 de abril de 2016

Carta a uma jovem sonhadora, por Irene Maria Guerra Albornoz.

Porto Alegre, 21 de março de 2016.
Querida jovem,
Lembro que, desde tua primeira infância, cedo mesmo, trazias em ti uma necessidade de aprovação. Querias muito ser aceita.
Aceita pelo irmão do meio. No pátio da casa, ele, o primo e os dois inseparáveis amigos, jogavam futebol ou disputavam campeonatos de bolita. Na garagem, as partidas de jogo de botão. Na piscina, os saltos pretendidos ornamentais. Tudo era gritaria, barulho, movimento e diversão. Desejavas participar da brincadeira proibida. Da janela, apenas observavas.
Aceita pela mãe virginiana, do lar, prendada, organizada, mulher de um homem só. Estudavas com a mãe, que te explicava com as próprias palavras, as lições ditadas pela professora do grupo escolar. Com ela aprendeste as artes e ofícios domésticos.
Aceita pela irmã mais velha, bonita, alegre, simpática, sociável, culta, bailarina, pianista, poliglota, extrovertida, enfim, brilhante. Foi ela quem descortinou para ti o mundo das letras e da imaginação.
Aceita pelo pai, empresário bem-sucedido, trabalhador, provedor, esportista, inteligente e charmoso, teu ídolo. Foi o pai quem te ensinou a nadar, a gostar dos números e de contar histórias e estórias.
Aceita pelo irmão que saiu de casa aos 15 anos para estudar na capital, um respeitável e desconhecido senhor.
No turbilhão da adolescência foste invadida por novos sentimentos e inusitadas sensações, mas, sobretudo, pelo medo. Medo de não ser amada. Medo de não saber o que fazer para sobreviver. Medo de não ter como sobreviver. Medo de errar. Medo de arriscar. Medo de transgredir. E, apesar dos pesares, ser aceita.
Querias ser “mãe de filhos”, bailarina, cantora, pianista, “miss qualquer coisa”, médica, engenheira, campeã de natação e tênis, costurar, cozinhar, tricotar, escrever, viajar, dominar o inglês e o francês, enfim, querias tudo. Querias abraçar o mundo e deixar nele marcada tua presença. Nesse tempo, o mundo se dividia entre os bons e os maus.
O teste vocacional aplicado no ginásio em nada te ajudou, pois tinhas condições de ser tudo o que desejavas e ainda muito mais. Tantas decisões a tomar, tantas perguntas sem respostas, tantas dúvidas.
Teu ídolo caiu quando descobriste sua infidelidade à tua mãe. Tua família não era perfeita. As pessoas não eram perfeitas. O mundo não era perfeito. Ficaste infeliz e deprimida. Não percebeste, então, quão liberadora fora essa descoberta: tu podias errar! Estava permitido!
Não obstante, trilhaste um caminho, ao mesmo tempo, conservador e revolucionário. Cresceste, namoraste, te apaixonaste, te decepcionaste, choraste, te despedaçaste, voltaste a namorar, te casaste, fizeste filhos, trabalhaste, enlouqueceste, desejaste matar, te encorajaste, te separaste, retomaste teus estudos, trabalhaste, amaste, te graduaste, abriste caminhos, acertaste, erraste, trabalhaste, choraste, desejaste morrer, riste, gargalhaste, cantaste, viajaste, estudaste, te graduaste outra vez, te orgulhaste, trabalhaste ainda e, por fim, sobreviveste e voltaste à solitude.
Hoje, o bem e o mal estão onde estavam desde sempre: dentro de ti. Confirmaste a veracidade dos versos do catalão Joan Manuel Serrat, que tomando emprestadas as palavras do poeta sevilhano Antonio Machado, cantou “Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”. Não tens respostas para tuas perguntas. Tens as respostas que deste a cada uma nas circunstâncias daquele momento. Tuas dúvidas nunca se tornarão certezas. Tens as lembranças afetivas do que viveste naquela situação. Não mais dependes da aceitação alheia. Descobriste que estás em paz contigo mesma. Não precisas da opinião, nem da aprovação dos outros. Não te arrependes de teus erros, só daquilo que deixaste de fazer. Conquistaste, afinal, tua tão ansiada liberdade.
Lembro, sim, embora ao fitar o espelho, corpo cansado e gasto, não mais reconheça tua imagem, jovem sonhadora que ainda habita em mim.

Com ternura, Irene Maria.

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